Proj Dec Legis Senado nº 244/2011 Susta efeitos Res nº 2 do Cons Cur da EBC,de autoria do Sen Lindbergh Farias

SENADO FEDERAL
(*) PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO
Nº 244, DE 2011
Susta os efeitos da Resolução nº 2, de 2011, do
Conselho Curador da Empresa Brasil de
Comunicação - EBC, que “dispõe sobre os
programas de cunho religioso nos veículos da EBC”.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º. Ficam sustados os efeitos da Resolução nº 2, de 2011, do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação – EBC –, que “dispõe sobre os programas de cunho religioso nos veículos da EBC”.
Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Por meio da Resolução nº 2, de 24 de março de 2011, o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação – EBC – determinou “a suspensão dos atuais programas religiosos nos veículos públicos da EBC”. O Conselho Curador justificou a decisão, afirmando que a substituição da atual  programação, que contêm programas católicos e evangélicos, visa respeitar “o critério da pluralidade máxima das vivências religiosas”.
Em decorrência da decisão, a EBC determinou a interrupção de quatro programas exibidos pelas TVs públicas há mais de 36 anos: na TV Brasil, os católicos “A Santa Missa” e “Palavras de Vida” (exibidos aos domingos) e o evangélico “Reencontro” (exibido aos sábados); e na Rádio Nacional de Brasília, a missa católica dominical.
Liminar da Justiça Federal do Distrito Federal sustou, temporariamente, os efeitos da Resolução.


A Resolução nº 2/2011 do Conselho Curador é contestada pela própria
presidenta da EBC, Tereza Cruvinel, pela Ministra da Secretaria de Comunicação da
Presidência da República, Helena Chagas, e pela própria Presidenta da República.
Com efeito, o Estado laico é um princípio constitucional, assegurado pelo art. 19, I, da Carta Magna de 1988. A laicidade estatal, que é adotada na maioria das democracias ocidentais contemporâneas, salvaguarda as diversas religiões do risco de intervenções abusivas do Estado nas suas questões internas, bem como protege o Estado de influências indevidas provenientes da seara religiosa, impedindo todo o tipo de confusão entre o poder secular e democrático, em que estão investidas as autoridades públicas.
Como leciona o constitucionalista Daniel Sarmento (O Crucifixo nos Tribunais e a Laicidade do Estado, Revista Eletrônica PRPE, maio de 2007), “a laicidade não significa a adoção pelo Estado de uma perspectiva ateísta ou refratária à religiosidade.” Tanto é assim que o próprio preâmbulo da Constituição faz menção expressa à “proteção de Deus”.
No mesmo sentido, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ – entende que o uso de símbolos religiosos em órgãos da Justiça não fere o princípio de laicidade do Estado. O entendimento ficou expresso no julgamento de quatro pedidos de providência (1344, 1345, 1346 e 1362) que questionavam a presença de crucifixos em dependências de órgãos do Judiciário.
Nos autos da Ação Civil Pública nº 2009.61.00.017604-0, a juíza federal Maria Lúcia Lencastre Ursaia, da 3ª Vara Cível Federal de São Paulo, rejeitou pedido do Ministério Público Federal (MPF) para a retirada de símbolos religiosos dos prédios públicos, por entender que o Estado laico não deve ser entendido como uma instituição anti-religiosa ou anti-clerical. “O Estado laico foi a primeira organização política que garantiu a liberdade religiosa. A liberdade de crença, de culto e a tolerância religiosa foram aceitas graças ao Estado laico e não como oposição a ele. Assim sendo, a laicidade não pode se expressar na eliminação dos símbolos religiosos, mas na tolerância aos mesmos”. Na opinião da juíza, num país como o Brasil, que teve formação históricocultural cristã, a presença de símbolos religiosos em espaços públicos é natural, “sem qualquer ofensa à liberdade de crença, garantia constitucional, eis que para os agnósticos ou que professam crença diferenciada, aquele símbolo nada representa, assemelhandose a um quadro ou escultura, adereços decorativos”.
Como acontece com a presença de símbolos religiosos em prédios públicos, a exibição de programas de cunho religioso nos veículos da EBC não ofende a laicidade do Estado, razão pela qual a Resolução nº 2/2011, do Conselho Curador padece de substrato constitucional.
Não bastasse, é notório que, ao editar a Resolução nº 2/2011, o Conselho Curador da EBC exorbitou as atribuições que lhe confere o art. 17 da Lei nº 11.652/2008.
Esta lei, que autorizou o Poder Executivo a constituir a EBC, dispõe que:

“Art. 17. Compete ao Conselho Curador:
I - deliberar sobre as diretrizes educativas, artísticas, culturais e informativas integrantes da política de comunicação propostas pela Diretoria Executiva da EBC;
II - zelar pelo cumprimento dos princípios e objetivos previstos nesta Lei;
III - opinar sobre matérias relacionadas ao cumprimento dos princípios e objetivos previstos nesta Lei;
IV - deliberar sobre a linha editorial de produção e programação proposta pela Diretoria Executiva da EBC e manifestar-se sobre sua aplicação prática;
V - encaminhar ao Conselho de Comunicação Social as deliberações tomadas em cada reunião;
VI - deliberar, pela maioria absoluta de seus membros, quanto à imputação de voto de desconfiança aos membros da Diretoria Executiva, no que diz respeito ao cumprimento dos princípios e objetivos desta Lei; e
VII - eleger o seu Presidente, dentre seus membros.”
A lei é clara: ao Conselho Curador compete deliberar sobre diretrizes da política de comunicação e sobre a programação propostas pela Diretoria Executiva da EBC.
A Resolução, além de ir além das diretrizes, modifica a programação dos veículos públicos de  comunicação aprovada pelo próprio Conselho Curador.
Para assegurar a laicidade do Estado, o Conselho Curador da EBC deveria fixar diretrizes para assegurar que todas as manifestações religiosas se fizessem representar na programação dos veículos públicos de comunicação, e não vedar a manifestação das duas principais religiões do Brasil.
Por todas essas razões, pedimos o apoio dos nobres pares para aprovação deste Decreto Legislativo.
Sala das Sessões,
Senador LINDBERGH FARIAS
Senador MARCELO CRIVELLA
Senador LOBÃO FILHO

(*) Avulso republicado em 05/10/2011 para inclusão da legislação citada