sexta-feira, 1 de junho de 2012

Parabens, Irina! Brasil não é advertido no EPU-ONU sobre ascensão da Homofobia

Até as pedras surradas do Cais da Imperatriz sabem que a violência contra Lésbicas, Gays, Travestis tem aumentado intensamente nos últimos meses. 

Principalmente após a infeliz, destemperada e leviana  fala da Presidenta Dilma Vana Rousseff, em 26 de maio de 2011 (porque sem se dignar a assistir ela própria os filmes sobre os quais falava e decidira unilateralmente vetar, sem ouvir Ministro da Educação ou qualquer especialista que houvesse participado da elaboração do material). 

Destempero e leviandade
Sem que nenhum dos jornalistas pudesse formular qualquer pergunta, a Presidenta simplesmente desatou o verbo. Depois de falar sobre Palocci e o Código Florestal, visivelmente enfurecida e transtornada Dilma decretou que 

o governo não vai, não vai ser permitido a nenhum órgão do governo fazer propaganda de opções sexuais [...] ...isso... Eu não concordo com o kit. Porque eu não acho que faça a defesa de práticas não homofóbicas. Eu não assisti aos vídeos todos. A um pedaço que eu vi na televisão, passado por vocês, eu não concordo com ele. [...] Não haverá autorização para este tipo de política; de defesa de a, b, c ou d. Agora nós lutamos contra hoofobia...

Após tão ignóbil incidente, intensamente comemorado por integrantes da "Bancada Parlamentar Evangélica", viu-se suceder no país uma espiral de crimes de ódio contra esse segmento populacional. 

Tal foi a exacerbação nas práticas violentas contra gays, travestis e transexuais, que a própria Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, divulgou nota afirmando que “a situação é urgente e merece toda a nossa atenção para a promoção de um ambiente de paz e respeito à diversidade” (GAY1, 21/07/2011). 

A Senadora  Marta Suplicy (PT-SP) declarou nesse mês findo: "- As pessoas estão sendo vitimizadas não só em seus empregos, mas quando passeiam, quando se divertem, em todas as situações."

Sem se dar conta, a Presidenta da República terminou por fortalecer a ideia de reacionários, religiosos ou não, que propagandeiam que o Programa Escola Sem Homofobia visa a fazer proselitismo da homossexualidade (!).

Precisão Suiça
Passado quase um ano da funesta decisão presidencial, em março de 2012, dia sete, se realizou, perante o Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suiça,  na sua 19ª sessão, o Painel violência por orientação sexual e identidade de gênero. A pauta geral da Sessão era bastante ampla; englobando todos os aspectos referentes aos Direitos Humanos. A questão da homofobia era uma no meio de tantas.

Mas para o segmento, era de enorme importância, haja vista a diuturna contabilização de mortes e espancamentos. Entretanto, de forma semelhante a ocorrida em 29 de junho de 2010, quando se encontrava no Brasil o Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OEA, a posição do bloco hegemônico dos movimentos LGBTTs foi no sentido de resguardar a imagem do governo.

Se durante a visita do Presidente da Comissão de DD HH da OEA os/as militantes hegemônicos se recusaram a informar ao segmento em nome do qual dizem atuar, durante o Painel na ONU, em março de 2012, o ativismo LGBT-PT (que é o hegemônico) deliberou manter sua fidelidade com o partido e o governo, em detrimento da realidade vivida pelos cidadãos LGBTT.

A fala da ativista designada cuidou de, embora mencionasse a situação de violência, não aprofundar-lhe o processo de agudização em curso, suas causas e táticas de ação. 

Nenhuma palavra sobre o veto aos filmes paradidáticos do Programa Escola Sem Homofobia. Nenhuma palavra sobre a causa eficiente para a inviabilização da aprovação de lei complementar à Constituição da República, sancionando as práticas discriminatórias em face da orientação sexual e da identidade de gênero. Nenhuma palavra sobre o absurdo crescimento dos crimes de ódio contra essa parcela da população brasileira e o peso simbólico que a destemperada fala da Presidenta da República em 26 de maio de 2011 teve nesse processo. Nenhuma palavra sobre o governo haver se deixado manietar pelas forças obscurantistas religiosas.

Limpinha, sua fala optou pela generalização, enfocando "todos os estados". E dado que quem mostra as árvores da floresta, não exibe suas raízes,  Irina após sua tomada geral, enquadrou todas as conquistas do Estado brasileiro, segundo o seu (exclusivo) entendimento (e, parece, de sua "rede"):
Quero lembrar aqui que na minha região, países como a Argentina, Uruguai, Brasil, Colômbia o casamento civil entre pessoas adultas do mesmo sexo é permitido e na cidade do México, capital do México também é permitido (Destaquei). Outras leis de promoção da cidadania de LGBTI são discutidas na região.
No Brasil muitos ganhos foram conquistados desde 2006, primeiramente com a criação do Programa Brasil Sem Homofobia, depois com a convocação inédita no mundo da I Conferência Nacional de Políticas Públicas e Promoção da Cidadania LGBT, cujo os resultados criaram o Plano Nacional de Promoção da Cidadania de LGBT. (Destaquei) Também no âmbito brasileiro, como resultado da primeira conferência criou-se a política nacional de saúde da população LGBT, o decreto do então Presidente Lula que institui o Dia Nacional de Combate a Homofobia em 17 de Maio, a criação da coordenadoria nacional LGBT na estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a instituição e posse do Conselho Nacional LGBT no qual sou presidente e recentemente, a realização da II Conferência Nacional LGBT. (Destaquei)
Esqueceu-se de avaliar quais dessas iniciativas tornaram-se ações efetivas e o peso que (acaso) tiveram no combate (?) e redução (?) das práticas de violência e discriminação.

Diversos ativistas independentes criticaram a fala de Irina Bacci. A ativista que trocou a denúncia firme, independente e autônoma (realizada por Navy Pillay e Ban Ki-moon), por uma postura servil ao seu governo, rebateu. 

Irina disse que sua fala no Painel não era enquanto integrante do Conselho Nacional LGBT ou do Governo (!). 

Embora na introdução de seu pronunciamento afirme que se dirige ao Conselho de DD HH da ONU "como ativista de direitos humanos, representante da sociedade civil", respondeu às críticas declarando que falava apenas enquanto portadora de um curriculum vita (!). - Como se fosse possível ignorar o seu papel de especialista a serviço do governo, e não dos reais interesses da comunidade LGBT.

Ainda que cause espanto semelhantes afirmativas, posto que enquanto especialista, se autônoma fora, deveria ter apresentado um PAINEL da situação REAL E CONCRETA vivida no Brasil pelos LGBTTs, Irina disse mais.  

Disse ainda que aquele PAINEL não era em absoluto um espaço para denúncias - ou por outras palavras, para a apresentação de um retrato das ações empreendidas ou deixadas de empreender pelo Estado brasileiro e a realidade sociojurídica vivenciada pelo segmento. 

Para ela, como "todas [as pessoas que fazem parte de minha rede sabem] esse espaço não era de denúncia e sim de proposições."

Quem sabe talvez Irina se olvidara, em decorrência da altitude dos Alpes, do significado do termo Painel

É bem verdade, porém que, se quisesse, poderia, antes de semelhante assertiva, comparar a atuação de outros painelistas na mesma ONU, como, por exemplo, aqui (primeiro parágrado da página dois).

Ainda respondendo as críticas, Irina afirmou que "qualquer ação tem que ter o objetivo principal de produzir bons resultados e isso foi alcançado." 

Bons resultados
Hoje, passados dois meses e poucos dias, podemos conferir os BONS RESULTADOS ALCANÇADOS PELA PARTICIPAÇÃO DE IRINA BACCI NA 19ª REUNIÃO DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DA ONU, PARA OS LGBTTs BRASILEIROS: 

Dado que a principal painelista brasileira - porque "ativista", "especialista" e "representante da sociedade civil" - preferiu dar a egípcia sobre a espiral ascendente de crimes homo, lés e transfóbicos em curso no Brasil  após a posse do governo a que serve, não seria a Ministra Maria do Rosário que o faria. Assim, apresentado o resultado do Exame Periódico Universal realizado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, realizado dia 25 de maio na mesma Genebra, nenhuma recomendação é feita ao Brasil no tocante às (in)ações do Estado brasileiro referentes ao enfrentamento da Homofobia!  

Aliás, nenhuma palavra é mencionada no relatório do EPU-ONU no que se refere ao aumento da violência homofóbica, que chegou ao descalabro de atingir a marca de um ataque a cada dois dias, segundo o GGB. 

Dizendo melhor, nenhuma palavra é mencionada em relação a esta população específica. Veja aquiaqui e aqui.

Mas, como em política não existe espaço vazio, já que o nosso valoroso movimento hegemônico LGBT (PT) não cumpriu o seu papel nem no Painel nem tampouco durante o EPU, o Vaticano e a Namíbia não deixaram por menos

O Vaticano recomendou ao Brasil proteger a "família natural e o matrimônio, formado por um marido e uma mulher, como a unidade básica da sociedade que provê as melhores condições para educar as crianças". Já a Namíbia, recomendou que o Brasil "continue o programa de educação religiosa nas escolas públicas". 

E, dado que as cidadãs e os cidadãos travestis, transexuais, lésbicas e gays não possuem nenhuma entidade capaz de defender os seus direitos humanos perante os organismos internacionais com autonomia e independência, restou à Conectas e à Justiça Global requerer AO ESTADO BRASILEIRO a REJEIÇÃO de tais recomendações:

A ONGs Conectas e a Justiça Global pediram hoje (29/05), em carta enviada à Missão do Brasil em Genebra e à Secretaria de Direitos Humanos, que o Estado brasileiro rejeite as recomendações feitas pelo Vaticano, Namíbia e Austrália durante a Revisão Periódica Universal (RPU), realizada no dia 25 de maio, no Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU em Genebra, na Suíça.

Agora, só nos resta dizer:

Parabens, Irina Bacci, você cumpriu o seu papel muito bem!!! Você e todos os demais de sua rede de militância.

Qui nem, qui nem...
Na contramão de nossos líderes e representantes brasileiros, por exemplo,
Anna Kirey, militante que vem denunciando as condições de vida em países da antiga União Soviética, desde 2010:
Bjorn van Roozendaal, da COC-Netherlands,organização dos Países Baixos, colocou minha organização, a Labrys, em contato com IWRAW Asia Pacific, e este contato facilitou muito nosso acesso ao processo de elaboração do relatório. A Sexual Rights Initiative (SRI) foi essencial e facilitou muito nossa aproximação ao processo da RPU. A SRI nos ajudou a redigir relatórios, a desenvolver atividades de lobby e a participar das sessões da RPU. Juntos, Labrys e Sexual Rights Initiative elaboraram os relatórios sobre os direitos sexuais no Turcomenistão, Uzbequistão, Cazaquistão, Azerbaijão e Quirguistão.
É ela quem explica um pouco como é o processo:

Para reunir informações sobre esses dois países (em 2010), tivemos que analisar uma grande quantidade de dados secundários, além de confiar nos poucos testemunhos coletados “in loco”. A Sexual Rights Initiative e a COC–Netherlands nos auxiliaram a participar das sessões em que fizemos intervenções. A IWRAW –Asia Pacific apoiou nossos esforços de “lobby” em favor do Quirguistão. Creio que nosso maior desafio foi conseguir com que missões de diferentes países incluíssem nossas recomendações, porque elas possuem suas próprias agendas políticas. Podemos passar horas falando com o representante de uma missão e, mesmo assim, nossas recomendações não serem incluídas. Este processo de convencimento tem de começar, no mínimo, um mês e meio antes da revisão do seu país.  (Destaquei)
Saiba mais sobre o EPU - ONU:

ILGA - A Revisão Periódica Universal (RPU) é uma nova ferramenta utilizada pela ONU desde 2006 para monitorar o respeito aos direitos humanos nos países-membros. A cada ano, 48 países são analisados por seus pares. Em um período de quatro anos, todos os 192 estados-membros terão sido analisados. Esta revisão consiste em quatro etapas principais: elaboração de relatórios; diálogo interativo com outros estados-membros; adoção das recomendações;implementação e acompanhamento. Os diferentes procedimentos envolvem os Estados, organizações não-governamentais locais e internacionais, órgãos que atuam no campo dos direitos humanos e outros interessados no assunto. Em 2010, a 8a sessão da RPU analisou o Quirguistão e 15 outros países. Os relatórios das organizações não-governamentais devem ser enviados sete meses antes da sessão da RPU. Revisão Periódica Universal
A RPU é um mecanismo do Conselho de Direitos Humanos da ONU para monitorar regularmente o cumprimento, por parte de cada um dos 193 Estados-Membros da ONU, das suas obrigações e compromissos sobre os direitos humanos. Trata-se de um processo de revisão entre Estados, a que todos os Estados-Membros das Nações Unidas são submetidos a cada quatro anos e meio, com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos nos países.
Uma parte importante desta revisão é o encontro de três horas e meia no Grupo de Trabalho sobre a RPU entre o Estado, observadores e os Estados-Membros participantes. Durante este debate, os Estados-Membros podem fazer perguntas e recomendações ao Estado em revisão. O resultado da revisão será um relatório que contém um resumo do processo de revisão, as conclusões e/ou recomendações, além dos compromissos voluntários assumidos pelo Estado em questão. (Destaquei)

8 comentários:

Benjamin Bee disse...

Que maravílha de artigo. Fundamental para desmascarar as ações da SDH. É incrível como a dita militância LGBT no governo, é contra os interesses LGBTs. Seu artigo tem que correr mundo.

Só uma retificação. Dobre a quantidade de crimes homofóbicos. Não é um a cada dois dias, é um todo dia. O recrudesciemnto da homofobia está insuportável. Veja:

http://homofobiamata/wordpress.com

Blog construído pelo Eduardo Michels sob a orientação e superisão de Prof. Dr. Luiz Mott, decano do movimento LGBT no Brasil que tem feito todo esse trabalho de computação dos crimes de ódio aos homossexuais no Brasil.

Rita Colaço disse...

Benjamin, agradecida pelo comentário e pelo reparo.

Preferiria tivesse me equivocado para mais. É duro com tantos "resultados" e "ações", permanecermos a contabilizar tais crimes.

JUSTO disse...

Querida Rita, é sempre um prazer ler o que você escreve.
Dias antes da Irina viajar para o "painel", enviei-lhe mensagem dizendo da necessidade( embora, a priori, não seria ou não deveria ser necessário) de denunciar o governo e ela respondeu (também para mim),que aquele momento não era para denúncias! Fiquei pasmo, sem chão, sem representação...

JUSTO FAVARETTO

Rita Colaço disse...

Justo, agradecida pelas suas palavras.

Não há como não associar o estágio em que (não) estamos em termos de garantia de direitos com a "qualidade" da militância hegemônica, mais preocupada com seus curricula, ptas, cargos em comissão...

Basta comparar com a militante russa, todo trabalho que vem realizando em apenas 2 anos.

Rita Colaço disse...

Acabo de ser informada sobre o processo de construção da fala da Irina. Em respeito ao direito à informação, divulgo aqui. O que em nada modifica minha opinião pessoal sobre o mesmo.

O esclarecimento veio de parte da jornalista Jandira Queiroz, da SPW, que colaborou no processo de construção do texto lido por Irina, em 07/03/12:

"Quis dizer que ao fim e ao cabo, houve recomendações (críticas) ao Brasil, e o digo em resposta ao seu artigo com críticas à fala da Irina no painel sobre SOGI no CDH-ONU. Ajudamos na construção da fala dela no painel, que tinha como objetivo avaliar a situação e políticas LGBT ao redor do mundo. Irina foi convidada como representante da sociedade civil LGBT global. Também por ser uma pessoa ponderada e correr menos risco de jogar confetes no Brasil ou ser panfletária e focar somente no aumento de assassinatos, ou no veto, ou só em temas nacionais. Não era mesmo essa a intenção, e ela precisava refletir os problemas de países onde nenhuma das recomendações de defesa dos DDHH são cumpridas no que tange LGBTs, e dar exemplos de boas práticas, onde há (como Brasil, Argentina, México...) com vistas a pressionar os Estados mais" em desvantagem no que respeita aos DD HH.

Rita Colaço disse...

Mais um elemento de comparação entre o discurso proferido por Irina Bacci, na ONU, em 07/03/12 e o do Representante do Brasil nrograma de Aids na ONU (UNAIDS), na abertura do Terceiro Seminário Nacional de Direitos Humanos e DST AIDS, nesta quarta-feira, 13, em Brasília:
http://blogs.estadao.com.br/roldao-arruda/representante-do-programa-de-aids-da-onu-critica-governo-por-ceder-a-pressoes-de-grupos-religiosos/

Alexandre Nabor disse...

Rita parabéns pelo blog e adorei o texto, pois concordo com ele e percebo que há uma politicagem muito maior que as necessidades emergentes de tentativa em aniquilar a homofobia no Brasil. Tenho percebido em minha militância que, infelizmente, a homofobia tem trazido muitas vantagens de voto e alianças partidárias com demagogias de que existe uma diminuição da violência contra a população LGBT e que seu término está nos planejamentos governamentais ou até mesmo discursos contrários, como no caso dos fundamentalistas, que pregam uma purificação muito mais perversa que qualquer ação perpetrada na história. Eu havia escrito algo em meu blog http://acaovalorizandopessoas.blogspot.com.br/.../na... alertando os LGBT's sobre estas infrações realizadas pelo governo Dilma, antes das eleições. Gostaria de saber se posso indicar seu blog no meu? Bjs e estamos juntos nessa luta.

Rita Colaço disse...

Alexandre, agradecida pelo seu comentário.
É muito triste termos que digerir que no Brasil, a situação da homolestransfobia está no patamar que está muito em decorrência da "militância" de determinadxs "ativistas qualificados" da corrente hegemônica dos movimentos de LGBTs...
Sim, claro que pode. Terei muito orgulho. Vou incluir o seu também.